sexta-feira, 18 de abril de 2014

teorema da felicidade V

Os meses seguintes foram intensos. Organizar as minhas melhores receitas, pensar em menus para estudantes, namorados e mais velhos, saber que aspeto queria dar ao café para o tornar acolhedor e confortável. Depois de todo o trabalho árduo, tanto por minha parte como por parte de toda a minha família, a pastelaria Cannella estava pronta e a abrir ao público no inicio de Dezembro. A pastelaria era mesmo em frente à praia. Tinha um pequeno espaço para abarcar uma esplanada no verão, tinha um letreiro com o nome do estabelecimento e tinha grandes janelas, graças à minha paixão desmedida pela luz do sol. Nessas janelas, estavam expostos alguns bolos, cupcakes e tortas, para adoçar a vista de qualquer turista ou curioso. Do lado de dentro, a cor predominante era o azul. Tinha um balcão mesmo em frente à entrada, com vitrines cheias de bolos e doces. As mesas eram redondas, mesmo ao estilo parisiense. Era um local perfeito para primeiros encontros, primeiros beijos e novidades. Queria que as amizades construídas ali fossem verdadeiras, que os olhares ali trocados evoluíssem para paixões assolapadas e mais tarde para amores eternos. 
E depois vocês pensam: e empregados? Começamos apenas eu e os meus avós, os donos do café. Prontificaram-se a ajudar-me, o meu avô no balcão de pagamento e a minha avó na cozinha comigo, já que as mãos dela também fazem magia. 
O tempo passou, a pastelaria ganhou fama, tal como os meus dotes culinários. As pessoas passavam por lá para tomar o pequeno-almoço, pegar uma sobremesa no fim do almoço, lanchar, ou simplesmente para passar a tarde a estudar e a comer uma bela caixa de bombons ou cupcakes feitos especialmente para estudantes. 
Tudo corria bem, eu andava muito mais animada e não queria desistir daquele negócio, era um sonho tornado realidade. Estava a fazer aquilo que mais gostava na presença de pessoas que amava. No entanto, ainda continuava a sentir aquelas picadas no coração, aquele vazio, aquela falta de ar de quem sente que está sozinha. E passaram-se meses sem eu saber o que me faltava. Até àquele dia em que peguei na minha caixinha. Era pleno Abril e a primavera ainda não tinha chegado. A chuva continuava a cair, o frio fazia-se sentir e uma certa melancolia se abatia em mim naquele dia. Era sexta-feira santa, já de noite. O meu irmão estava em Lisboa com os amigos e só voltava no dia seguinte para passar a Páscoa connosco. Os meus pais estavam na sala a ver televisão. Eu estava no quarto, deitada na cama a olhar para o teto, quando me deu uma certa nostalgia e quis recordar alguns momentos da minha vida. Peguei na caixa. Senti um aperto no coração e fiquei com os olhos molhados quando toquei na tampa da caixa. Removi-a e olhei para o que estava dentro da caixa. Fiquei alguns segundos a olhar para aquele guardanapo escrito sem pegar nele e quando, por fim, lhe toquei, agosto veio-me à memória. Aquela biblioteca fresca num dia escaldante, aquele rapaz perturbado de fato e gravata, suado e com o cabelo desalinhado, de olhos verdes profundos e penetrantes, assustado com a sua decisão. O que seria feito dele? O guardanapo continha o número de telefone dele. Pensei em ligar-lhe ou mandar mensagem. Tinha curiosidade em saber que rumo a vida dele tinha levado. Provavelmente, tinha voltado para trás, para junto da rapariga com quem ia casar, e que, por ventura, estaria grávida. Mas ele não estaria feliz. Lá no fundo, sabia que ele também tinha curiosidade em saber o que se passava com a vida daquela estranha que lhe tinha oferecido confiança e abrigo. Marquei o número dele no telemóvel. Queria contar-lhe as novidades da minha vida, talvez combinar um almoço com ele e com a sua mulher, para saber se ele estaria mesmo feliz com ela. Liguei-lhe. Pus o telefone ao ouvido e esperei que alguém atendesse. 
- Estou? - o meu coração parou de bater. Aquela voz suave que ecoava na minha cabeça. Estava igual à minha lembrança dela, parecendo menos preocupada, o que era um bom sinal. Respirei:
- Mateus? 
- Quem fala?
- Rebeca. - um medo repentino apoderou-se de mim. Não queria que ele me tivesse esquecido. 
- Ó meu deus. Rebeca! Como é que estás? Voltei àquela biblioteca vezes sem conta, fui tocar à campainha do teu apartamento para saber como é que estavas, mas tu desapareceste do mapa. Que aconteceu?
Fiquei boquiaberta, sem saber o que responder. Pela primeira vez, senti que alguém não tinha desistido de mim, tinha lutado por se manter ligado a mim. Eu tinha sido a única a fugir. 
- Voltei para casa definitivamente. Tenho a minha própria pastelaria e estou a ter um sucesso enorme. Vem passar a Páscoa comigo. - as palavras saíram-me da boca sem que eu desse por elas. Queria vê-lo, queria estar com ele. Era um sentimento estranho, visto que tinha estado com ele durante poucas horas e que não sabia quase nada dele, mas só o facto de ele ter lutado por mim e de não se ter esquecido de mim significava muito. 
- Diz-me onde estás. Já estou a caminho. 

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