sábado, 19 de abril de 2014

teorema da felicidade VI

Passei a noite sem dormir. Estava entusiasmada por poder vê-lo outra vez. Levantei-me por volta das sete da manhã e preparei-me para sair. Queria passar as poucas horas que restavam antes da abertura da pastelaria a cozinhar lá. Queria acalmar-me e só a cozinhar o ia conseguir. A casa estava silenciosa. Calcei as botas e peguei no guarda-chuva. Ainda não estava a chover, mas o céu estava cinzento, o ar estava frio e o sol teimava em não aparecer. Caminhei rápido até chegar à rua da pastelaria, onde abrandei o passo e fiquei a olhar para o mar. Uma tempestade aproximava-se pelo lado do mar. Senti uma gota grossa a cair-me na ponta do nariz. Pensei em abir o guarda-chuva, mas não me apeteceu. Queria sentir cada gota de água a molhar-me o cabelo, a cara, o corpo. Queria sentir-me outra vez uma nómada, um espírito livre. Queria saber que a chuva trazia qualquer coisa de bom, qualquer coisa nova. Olhei para o céu e fechei os olhos enquanto caminhava lentamente. Quando baixei o meu olhar para a realidade, já me encontrava em frente à minha pastelaria. Imagem perfeita. O meu coração estremeceu. Finalmente os meus dois sonhos estavam unidos. Sim, lá estava ele, sentado à porta da pastelaria, completamente encharcado. Parecia o mesmo rapaz confuso da primeira vez. O cabelo estava molhado, as gotas de água escorriam-lhe pela cara. Parei mesmo à frente dele. Ele levantou a cabeça e olhou para mim, notando-se um tanto de perplexidade na sua face. Aqueles olhos, aquela boca, aquele sorriso. Finalmente estava ali, bem à minha frente. Ele levantou-se, pegando na sua mochila. Não dissemos nada. Abri a porta e entrei na pastelaria, seguida por ele. Quando passei pelo balcão para ir para a cozinha, olhei para trás e vi a admiração estampada na cara dele. Olhava para todos os cantos da pastelaria e notava-se que estava a adorar. Fui para a cozinha, deixando-o no sítio onde estava. Pus água a aquecer e fui buscar uma caixa de biscoitos de canela. Quando o chá ficou pronto, levei um tabuleiro para dentro. Ele estava sentado numa cadeira e escrevia num caderno. Pousei o tabuleiro na mesa e sentei-me à frente dele. Parou de escrever e olhou para mim, sorrindo.
- Estás diferente. - que saudades daquela voz. Pegou na chávena e deu um pequeno gole. - Estás mais feliz! - sorriu mais uma vez para mim e fechou o caderno, arrumando-o dentro da mochila. 
Não respondi. Não sabia o que havia de dizer. Levantei-me e fui ligar o rádio. Estava a passar uma música calma. Cheguei à beira dele e estendi-lhe a mão. Ele olhou-me bem nos olhos e sorriu. Deu-me a mão e levantou-se. 
- Eu sei que devia ser ao contrário, mas estou demasiado feliz para ficar sentada só a olhar para ti. - puxei-o para mim e abracei-o. Estávamos os dois encharcados pela chuva, que continuava a cair lá fora. Se calhar, foi por isso que soube tão bem. Conseguia sentir todo o corpo dele colado ao meu. Só me apetecia beijá-lo. Sim, apetecia-me fazê-lo a todo o custo. Até que ele desceu a boca até ao meu ouvido e só sussurrou, arrepiando-me por completo:
- Pensei em ti durante todo este tempo. Pensei em como seria voltar a ver-te. Viajei durante a noite e fiquei aqui sentado horas à tua espera. Não conseguia esperar nem mais umas horas. Não me sais da cabeça. 
Afastei-e me dele e olhei-o nos olhos. O que aconteceu a seguir tinha de acontecer. Beijámo-nos. Posso dizer que não foi iniciativa apenas de um, mas de ambos. Foi apenas um beijo. Depois disso, ficámos abraçados até serem horas de abrir a pastelaria, a falar sobre tudo o que se tinha passado nas nossas vidas, sobre tudo o que tinha mudado e sobre tudo o que tinha permanecido igual. Pela primeira vez na vida, sabia que podia acreditar nas palavras de alguém, porque eram mesmo verdadeiras.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário