quinta-feira, 24 de outubro de 2013

teorema da felicidade IV

Figueira da Foz, outubro de 2013

Ainda não tinha saído de casa. Tinha arranjado emprego numa pastelaria perto da praia. A minha mãe gostava que eu estivesse lá e eu estava a gostar do facto de poder estar outra vez deitada na minha cama, de não me ter de preocupar com mais nada a não ser com o meu emprego. A minha conta bancária tinha engordado um pouco, já que não precisava de gastar dinheiro em alimentação. A minha carrinha continuava estacionada na garagem desde agosto. Não tinha precisado dela desde que tinha chegado.
Era domingo e não tinha de trabalhar. Acordei por volta das onze e sentei-me na cama. O barulho da chuva tanto me acalmava como me enervava, mas naquele dia acalmou-me. O meu irmão mais novo, já com dezassete anos, foi ao meu quarto. Achava-o cada vez mais bonito e, a cada dia que passava, tornava-se um homem. Não namorava nem se preocupava com raparigas. Só queria treinar e ser um bom jogador de basquetebol e tinha como ambição profissional tornar-se num bom arquiteto.
- Bom dia, Beca.
- Bom dia, Gui.
Sentou-se na minha cama e abraçou-me. Pela primeira vez desde há muito tempo senti-me segura nos braços do meu irmão. Senti-me como me costumava sentir nos braços do meu pai quando era mais pequena.
- Que se passa contigo? - a pergunta surpreendeu-me. Ele estava na idade em que não devia reparar nos sentimentos dos outros ou preocupar-se com isso, caso reparasse. - Sim, eu preocupo-me, mana. Pareces triste. Nunca te conheci assim. Eras sempre a alma desta casa. Que se passa? Estás sem vida.
As palavras dele arrebataram-me de uma forma que eu não esperava. Comecei a chorar e deixei-me cair nos braços dele.
- Sinto que mudei.
- Como assim?
- Como se tudo o que eu esperava para mim tivesse mudado. Não quero mais empregos temporários ou viajar de cidade em cidade à procura de alguma coisa que eu não faço a mínima ideia do que seja. Quero ter a minha própria casa, quero ter uma pastelaria só minha, e quero que passadas algumas décadas, essa pastelaria ainda seja o ponto de encontro de muitas pessoas.
- Porque é que não fazes tudo isso? Por enquanto estás bem aqui em casa, mas já deves ter poupado algum dinheiro. De certeza que a mãe não se importava de te fazer um empréstimo para começares esse teu novo sonho e sempre tens o antigo café do avô. Podias remodelá-lo! E outra certeza é que ias ter sempre imensos clientes, com esses teus dotes culinários.
Eu sorri. A parte que eu mais queria era poder criar a minha própria família. O meu sorriso desvaneceu-se. Guilherme percebeu o que se passava.
- Ó mana, é o relógio biológico a despertar? - sorriu surpreendido e abraçou-me com mais força. - É normal que sintas necessidade de criar raízes em algum sítio. Já tens vinte e seis anos e queres ter a tua própria casa com as tuas regras e os teus costumes. Eu percebo-te, acredita. Fala com os pais.
Olhei para ele e sorri. Ele tinha-me dado uma nova esperança. Fui tomar um banho de imersão e vesti uma roupa confortável. O almoço já estava na mesa quando cheguei à sala e os meus pais e o meu irmão também já estavam sentados nos respetivos lugares. Começamos a comer e eu fui ganhando coragem.
- Mãe, pai, gostava de falar com vocês sobre um assunto sério.
A minha mãe olhou para o meu pai como se já soubesse do que eu ia falar.
- Vais para onde desta vez? - o meu pai nunca era muito desagradável comigo, mesmo quando não gostava das minhas atitudes. Vi nos seus olhos alguma tristeza. Sorri.
- Não vou para lado nenhum e era mesmo sobre isso que eu queria falar. Quero ter a minha própria pastelaria e tenho a maior parte do dinheiro para a conseguir abrir mas mesmo assim ainda falta muito dinheiro. Pensei em pedir ao avô para remodelar o café dele.
Os meus pais estavam iluminados pela minha ideia. Sabia que eles tinham gostado e perceberam o mesmo que o meu irmão percebeu: eu precisava de assentar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário