Porto, agosto de 2013
Este era o
meu mês preferido a seguir a dezembro. Era a primeira vez que num mês de verão trabalhava
numa livraria. Como a maioria das pessoas não iam lá, eu podia passar os dias
todos a estudar, e era o que mais me apetecia fazer.
Um dia, já
agosto ia avançado, um homem com cerca de vinte e cinco anos, interrompeu a
minha leitura. Não precisou de falar, apenas precisou de entrar no edifício.
Estava de fato e gravata, já um pouco despenteado e transpirado. Dirigiu-se
para as prateleiras de poesia e tirou um livro. Pelo seu ar perdido, precisava
de conforto. Saí de trás da minha secretária e caminhei até à sua mesa, onde me
sentei sem pedir permissão. Ele olhou para mim, surpreso pela minha atitude.
- Está tudo
bem? – não hesitei em perguntar.
Ele começou a
falar, ainda ofegante. Estava nervoso e a única coisa que fez foi pôr as mãos à
frente da cara e dizer que não acreditava que tinha feito uma coisa daquelas.
Fui buscar uns lenços de papel e dei-lhos, mas ele não chorava. Estava perplexo
com a atitude que tinha tido perante uma determinada situação, que eu ainda não
sabia qual era. Olhou-me nos olhos e eu senti que ele estava a confiar numa
estranha.
- Era suposto
eu estar a casar-me agora. – desviou o olhar do meu enquanto dizia isso.
- O que é que
o impediu?
Voltou a
olhar para mim e começou por tirar o nó da gravata e depois tirou o casaco.
Desapertou alguns botões da camisa e eu pude ver o peito dele, moreno e
brilhante da transpiração. Voltei a olhar para ele e limpei-lhe as gotas de
suor que lhe escorriam pela cara com os lenços. Reparei nos seus olhos verdes e
profundos. Parecia que, ao olhar para eles, lhe conseguia ver a alma, e ela
estava muito perturbada.
- É estranho
estar a falar deste assunto com alguém que não conheço, mas acho que posso
arriscar. – sorriu frouxamente para mim e respirou fundo. – Não me sinto
preparado. Nem sei porque é que lhe pedi em casamento! – respirou fundo
novamente e, depois desse suspiro, não parou de falar até contar a história
toda. – Aliás, eu sei o porquê do pedido. Nunca quis sair tanto de casa que
faria qualquer coisa para o conseguir? E eu achei que este casamento me ia
libertar disso. Mas há medida que o tempo ia passando, a Marta ia-se tornando
cada vez mais insuportável. Queria saber de tudo, queria jantar em minha casa
quase todos os dias e quando percebi que ia passar de um inferno para outro
muito maior, já era o dia anterior ao casamento. Não dormi nada e acho que já
corri um quilómetro.
Fiquei a
olhar para ele. Estava surpreendida. Mas será que tinha percebido bem?
- Deixou-a no
altar?
- Sim.
Ri-me. Ele
olhou para mim e vi na sua expressão um pouco de desespero. Pedi desculpa e
disse que podia ficar ali mais algum tempo. Voltei para a minha secretária e
continuei a ler o meu livro de culinária. No entanto, não conseguia parar de
pensar naquele homem. Não sabia o seu nome, nem o que fazia nem o que queria da
vida. Olhei para o relógio e eram 16.57. Comecei a preparar as minhas coisas
para sair e, quando me virava para sair, ele estava à minha frente.
- Tem alguma
coisa para me perguntar, não tem?
Sorri e
respondi: - Amava a rapariga?
Houve um
compasso de espera mas ele respondeu, tristemente.
- Amei-a em
tempos. Amei-a quando ela era despreocupada e não queria agradar ninguém.
Amei-a pela sua espontaneidade. Agora não a consigo amar. Está igual a todas as
outras raparigas que conheci. Eu quero alguém diferente, que me faça sentir em
casa. – parou e arregalou os olhos. – Merda, não tenho casa. Nem dinheiro.
- Não se
preocupe. Nisso eu posso ajudar.
Voltou a
olhar para mim surpreendido, mas seguiu-me quando saí da livraria. Andámos até
à minha linda Volkswagen laranja. Mais uma surpresa. Ri-me com a sua expressão
mal viu a carrinha. Chegámos ao meu pequeno mas acolhedor T1. Disse que ia
preparar o jantar e deixei-o na sala a ver televisão. Reparei que me faltavam
alguns ingredientes para o jantar que queria preparar. Tinha decidido fazer
algumas sobremesas, visto que tinha tempo e ele precisava de um tratamento para
a tristeza. Fui até à sala para lhe dizer que ia ao supermercado, mas ele
dormia profundamente no meu sofá.
Quando
voltei, ele continuava a dormir. Desliguei a televisão para diminuir o barulho
no apartamento e fui para a cozinha. Fechei a porta. Comecei a fazer uma sopa
de legumes, sem ser passada, tal como eu gostava. Enquanto a sopa fazia,
temperei dois bifes e fui buscar a batedeira para começar a fazer a sobremesa. Ouvi
um barulho. Lá estava ele, despenteado, desnorteado, à porta.
- Com tanta
coisa ainda nem lhe perguntei o nome. – a sua voz era doce. Gostava dele.
- Rebeca. Por
isso já me pode tratar por tu. – sorri.
- Digo o
mesmo, Rebeca. – acentuou a sílaba tónica do meu nome e baixou os olhos para as
mãos durante breves segundos. Levantou a cabeça e olhou para mim. Caminhou até
ao balcão e pegou-me na mão direita. – Mateus, prazer.
Aquele gesto
deixou-me sem palavras. Até podia ser um cavalheirismo fingido, mas como disse
anteriormente, habituei-me a acreditar em tudo o que me diziam porque, na
altura, sabem bem. Se, mais tarde, viesse a descobrir que era mentira, não
importava. Naquele momento, sentia-me feliz, e eu gostava de aproveitar os
momentos ao máximo.
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