Há pessoas que são espíritos
livres. Aquelas que não conseguem estar sempre no mesmo sítio, com as mesmas
pessoas, com a mesma rotina. Eu sou assim. Não me entristece ser deixada pelos
amigos. Não sou daquelas pessoas que têm um grupo de amigos desde os três anos
de idade. Eu sou daquelas que sou atraída pela novidade, não me magoa ter de
começar a minha vida do zero, noutra cidade, com outras pessoas. E é estranho
ser assim quando sempre fui ensinada a dar valor à família. Mas existe uma explicação.
Eu
sonhava crescer com as minhas amigas da primária sempre do meu lado, sonhava
poder contar-lhes tudo o que se passava na minha vida: o primeiro beijo, a
primeira negativa, a primeira saída, a primeira vez, tudo. Nada aconteceu como
planeado. Houve muitas desilusões pelo caminho. A minha maneira de sobreviver a
tudo isso foi guardar o melhor e o pior da vida para mim. Comecei a escrever
diários. Comecei a acreditar nas palavras que me diziam porque no momento eram
perfeitas. Deixei de me importar quando as pessoas me deixavam. E foi assim que
eu cresci.
Nunca
tinha pensado agarrar-me tanto a uma pessoa e levá-la comigo para onde quer que
fosse. Até aquele momento. Até aquele preciso momento em que conheci a melhor
pessoa do mundo.
Desde
os 18 anos que trabalhava. Comecei em cafés e pastelarias, apenas para
conseguir ganhar algum dinheiro para comprar a minha linda carrinha, uma Pão de Forma. Não, não sou hippy nem
fumo erva. Apenas queria ter a minha própria casa ambulante e viajar pelas cidades.
Queria ser nómada e foi nisso que acabei por me tornar. Sempre que estava mal
num sítio ou aborrecida, mudava de cidade e conseguia sempre arranjar emprego
nos estabelecimentos que queria. Tanto os meus pais como todas as pessoas que
me iam conhecendo ao longo do tempo achavam que eu não tinha objetivos, que era
uma drogada, inculta e etc. Sim, etc., visto que os meus adjetivos eram
inúmeros. Nunca me importei com isso. Todos os anos, pelo Natal, quando voltava
a casa durante duas semanas, a minha mãe perguntava sempre o mesmo: “Já
namoras? Já arranjaste um trabalho decente? Já te decidiste a voltar a estudar?”
Não. Não. Não. Eram as respostas que eles esperavam ouvir e que eu queria dar.
Não valia a pena gastar saliva a falar da minha vida. Tinha paixões, muitas
delas correspondidas, mas nunca me deixava levar porque não queria ficar presa
a nenhum sítio e muito menos por uma paixão que, mais tarde ou mais cedo, ia
acabar. Todos os trabalhos que tinha tido eram decentes, mas não para os meus
pais. Eu era feliz a trabalhar em cafés porque era simples, comunicava com as pessoas
e era boa no que fazia. E em relação ao estudo, eu nunca tinha chegado a parar
de estudar, mas nunca tinha andado na faculdade. Queria estudar tudo o que
queria, desde como se fazer um bom bolo de chocolate até às Leis de Newton. Não queria ter horários nem queria que me obrigassem a estudar um tópico de cada
vez. Queria estudar a vida em geral, desde os mais pequenos prazeres até aos teoremas
mais complexos da matemática, desde culinária até geometria, desde arte até às
células. Por isso é que era uma nómada, um espírito livre: não tinha horários nem
lugares restritos para ser feliz.
(continua)
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